Ouvido absoluto: o dom de transformar barulhos em notas musicais
Uma em cada 10 mil pessoas desenvolve essa habilidade
Você sabe o que é ouvido absoluto? É um fenômeno auditivo aparentemente raro, caracterizado pela habilidade de identificar ou recriar uma nota musical, mesmo sem ter um tom de referência. Quem tem ouvido absoluto está sempre identificando notas, seja em uma buzina, helicóptero, micro-ondas, apito de navio, ou no barulho de uma panela caindo ao chão ou do rolo abrindo uma massa de macarrão, e com uma memória muito sensível para classificar a altura desse som.
O “PI PI” do alarme do despertador pela manhã pode ser percebido, por exemplo, como “DÓ DÓ”, uma nota musical. O “PI PI” do micro-ondas, que sinaliza que a refeição está pronta, como “SI SI”, e assim por diante. Uma em cada 10 mil pessoas tem essa habilidade, mas os especialistas não sabem explicar ao certo por que ela ocorre. Alguns acreditam que se trata de uma característica herdada geneticamente (possivelmente por herança autossômica dominante). Outros que é um talento desenvolvido com muita dedicação e treino. Há os que acreditam, ainda, que todos nós nascemos com essa habilidade, mas, se não a utilizamos, a perdemos.
A médica Dra Jeanne Oiticica, especialista em Otorrinolaringologia e Chefe do Grupo de Pesquisa em Zumbido do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, explica que o detentor desta habilidade forma uma imagem auditiva interna e pode, naturalmente, identificar qualquer tom musical acusticamente apresentado.
“Quem tem ouvido absoluto pode dizer se um tom tocado acusticamente é mais agudo ou mais baixo em relação a uma entonação padrão interna. No idioma inglês, tal capacidade de ouvir e, imediatamente, reproduzir o som ouvido é chamada ‘perfect pitch’. Isso não quer dizer que, quem tem ouvido absoluto, é abençoado com audição bem melhor do que os demais. O que ocorre é que estas pessoas são capazes de medir a frequência apenas por ouvir com bastante exatidão a nota. Ou seja, são capazes de avaliar sons mais precisamente que outros”, conta a médica.
Física e funcionalmente, o sistema auditivo de um ouvinte absoluto não parece ser diferente de um não-absoluto, ou seja, essa capacidade não é dependente de um tipo especial de ouvido. Segundo a especialista, trata-se de uma habilidade especial para analisar informações de frequência de som, o que envolve o processamento auditivo cortical no sistema nervoso central.
Pesquisas sobre o assunto realizadas em 2008 pela Eastman School of Music juntamente com o Department of Brain and Cognitive Sciences da Universidade de Rochester, nos Estados Unidos, prepararam testes aplicáveis a qualquer indivíduo (mesmo não sendo músico), e observaram que o ouvido absoluto é na verdade muito mais do que se imaginava. O pesquisador Gaby Lanyi defende que toda pessoa nasce com ouvido absoluto, mas a maior parte da população perde essa capacidade depois dos primeiros anos de vida, porque não é dada suficiente importância ao desenvolvimento da linguagem musical.
“Não estamos falando só de música: também vale sons de buzina, chiados da natureza, vozes de animais, barulhos de máquinas. A explicação para esse dom não está no aparelho auditivo, mas no cérebro. Quem tem ouvido absoluto possui mais capacidade de receber e interpretar estímulos do lado esquerdo do cérebro, onde os sons são processados”, explica Dra. Jeanne Oiticica.
Perfil Dra. Jeanne Oiticica
Médica otorrinolaringologista concursada do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Orientadora do Programa de Pós-Graduação Senso-Stricto da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da USP.
Chefe do Grupo de Pesquisa em Zumbido do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
Professora Colaboradora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Chefe do Laboratório de Investigação Médica em Otorrinolaringologia (LIM-32) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
Responsável pelo Ambulatório de Surdez Súbita do hospital das Clínicas – São Paulo.