Medicações de uso contínuo na Pandemia COVID-19
A Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou a doença causada pelo novo coronavírus (COVID-19) como uma pandemia, sendo confirmados mais de 697 mil casos até 30 de março de 2020, com mais de 33 mil mortes1.
Na mesma data, o Ministério da Saúde do Brasil registrava 4.256 casos confirmados, com 136 óbitos2.
Além da rápida disseminação desse novo vírus e o potencial de letalidade, parece claro que idade avançada e comorbidades cardiovasculares e respiratórias são fatores de risco para maior gravidade. Além disso, a segurança e eficácia de algumas medicações largamente utilizadas na prática clínica vêm sendo questionadas nos pacientes vítimas da COVID-19, como os corticosteroides, imunossupressores e os inibidores da enzima conversora de angiotensina (ECA). Nesse contexto, os alergistas e imunologistas clínicos de todo o mundo acabam por se deparar com seus pacientes em uso de medicações dessas classes e surge a grande dúvida: o que fazer nos pacientes de alto risco para essa nova infecção ou naqueles que já estão infectados?
Embora os inibidores da ECA (IECA) e até os bloqueadores do receptor da angiotensina (BRA) não sejam medicamentos do escopo primário de tratamento das doenças alérgicas, são drogas largamente utilizadas no tratamento de doenças cardiovasculares (CV). É sabido que o coronavírus utiliza o receptor ECA-2 para adentrar às células, causando downregulation desse receptor. Por outro lado, os IECA e os BRA são descritos como possíveis causadores de upregulation do ECA-2 e, por esse motivo, seu uso poderia facilitar a entrada viral nas células3.
Contudo, o impacto clínico dessas variações não é conhecido. Além disso, a retirada ou substituição dos IECA ou BRA por drogas de outras classes pode levar a danos cardiovasculares de alto risco4. Assim, a recomendação atual da Sociedade Brasileira de Cardiologia é de avaliação individualizada e muito cautelosa, evitando retirar essas medicações em pacientes de alto risco com doenças cardiovasculares5.
Quanto aos corticosteroides, são drogas amplamente utilizadas ambulatorialmente e em pacientes graves hospitalizados. Os dados são controversos, mas é bem definido que pode suprimir a resposta antiviral do hospedeiro. Um posicionamento recente da OMS orienta a não utilização de corticosteroides sistêmicos no manejo da síndrome respiratória aguda grave (SRAG) causada pelo novo coronavírus fora de ensaios clínicos6. A dúvida que permanece é quanto aos pacientes que utilizam essas medicações cronicamente em manejo ambulatorial.
Até o momento, não há dados quanto ao impacto do uso de corticosteroides orais de manutenção em dose baixa a moderada nesses pacientes, mas em doenças alérgicas e autoimunes, o descontrole dessas doenças também poderia acarretar maior inflamação aos pacientes infectados. Nesse momento parece razoável que se evite introduzir ou aumentar a dose dessas terapêuticas em pacientes com COVID-19. Também parece lógico um raciocínio similar para drogas imunossupressoras, tanto biológicas como não-biológicas. Nesse caso, a retirada de um imunossupressor sistêmico poderia acarretar descompensação da doença de base e necessidade de controle mais rápido com corticoides orais, o que poderia aumentar o risco pela infecção7.
Entretanto, mais frequente ainda na prática diária do alergista e imunologista é o uso dos corticosteroides tópicos, tanto inalados para asma, como nasais para rinite. Não há até o momento nenhuma evidência de que a asma aumente o risco de infecção pelo novo coronavírus, nem mesmo que a pré-existência dela aumente a gravidade desses pacientes. Uma casuística chinesa publicada recentemente mostra inclusive o interessante dado de que dentre 140 pacientes hospitalizados em Wuhan, nenhum era asmático, o que seria uma prevalência bem menor do que a da população geral8.
Com isso, ainda não se sabe qual o papel dos corticosteroides inalados em pacientes com a nova infecção. Por outro lado, parece razoável pensar que um asmático acometido pela COVID-19 pudesse ter maior risco de evoluir para insuficiência respiratória. Dessa forma, e levando-se em consideração o papel protetor dos corticosteroides inalados para evitar exacerbações de quaisquer etiologias e até de reduzir a mortalidade por asma9, consideramos mandatório manter o uso dessas medicações para asmáticos nos níveis 2 a 5 de tratamento da GINA10 até que mais estudos possam contrapor esse conceito.
Porém, com a velocidade da chegada contínua de novas informações científicas, cabe a nós, especialistas, nos manter atualizados utilizando de boas fontes de informação para continuar provendo a melhor assistência aos pacientes com doenças alérgicas e imunológicas.
Referências
- https://experience.arcgis.com/experience/685d0ace521648f8a5beeeee1b9125cd
- https://www.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/46619-brasil-registra-4-256-casos-confirmados-de-coronavirus-e-136-mortes
- Li XC, Zhang J, Zhuo JL. The vasoprotective axes of the renin-angiotensin system: Physiological relevance and therapeutic implications in cardiovascular, hypertensive and kidney diseases. Pharmacol Res. 2017;125(Pt A):21-38.
- Vaduganathan M, Vardeny O, Michel T, McMurray JJV, Pfeffer MA, Solomon SD. Renin–Angiotensin–Aldosterone System Inhibitors in Patients with Covid-19. N Engl J Med 2020; In Press.
- http://www.cardiol.br/sbcinforma/2020/20200313-comunicado-coronavirus.html
- https://www.who.int/publications-detail/clinical-management-of-severe-acute-respiratory-infection-when-novel-coronavirus-(ncov)-infection-is-suspected
- Favalli EG, Ingegnoli F, De Lucia O, Cincinelli G, Cimaz R, Caporalli R. COVID-19 Infection and Rheumatoid Arthritis: Faraway, So Close! Autoimmun Rev. 2020 Mar 20:102523. Epub ahead of print
- Zang JJ, Dong X, Cao YY, Yuan YD, Yang YB Yan YQ et al. Clinical Characteristics of 140 Patients Infected With SARS-CoV-2 in Wuhan, China. Allergy 2020 Epub ahead of print.
- https://ginasthma.org/wp-content/uploads/2019/06/GINA-2019-main-report-June-2019-wms.pdf
- https://www.aaaai.org/conditions-and-treatments/library/asthma-library/covid-asthma
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