Construção do cuidado paliativo e escuta no luto passam por relação paciente, médico e família

Construção do cuidado paliativo e escuta no luto passam por relação paciente, médico e família

Quem cuida do cuidador? Quem cuida de quem fica após a morte? O luto entre os profissionais de saúde e entre os familiares que acompanhavam o paciente que faleceu é muito pouco discutido, mas a escuta dessas pessoas durante o processo de cuidados paliativos é defendida por médicos com uma visão transdisciplinar do luto, que engloba o ser humano, em sua complexidade, do ponto de vista biopsicossocial e espiritual.

 

Coordenador do Núcleo de Cuidados Paliativos e Coordenador da Governança Clínica do Hospital São Lucas da PUC-RS, o médico Lucas de Azambuja Ramos, participou da mesa-redonda sobre o tema no Congresso “Brain, Behavior and Emotions 2023”, em Florianópolis (SC), onde ressaltou as múltiplas dimensões do luto e a necessidade de um acompanhamento “customizado” para pacientes, familiares e integrantes das equipes de assistência.

 

“O luto do profissional da saúde é tido como um luto não reconhecido. É gente cuidando de gente, não máquinas cuidando de máquinas. Por isso, é importante trabalhar com esses rituais de despedida e espaços de escuta e não com a ideia incutida no médico como curador, sendo que a gente não cura nada. Ou pelo menos não cura, no entendimento que se tem hoje, que é a ausência de doença”, avalia.

 

Lucas critica a formação médica “para curar pessoas e salvar vidas” e lembra que o profissional, logo no início da prática profissional, precisa lidar com a “frustração” provocada pela morte.

 

A especialidade não é médica, mas uma modalidade de cuidado, que vem para desmistificar esse tema e traz uma filosofia de cuidado centrado na pessoa e não na doença. “Não é o câncer de pulmão do leito 20, é o Seu João e toda a história que ele carrega”, ressalta.

 

Neste processo, o médico defende a construção da relação entre profissionais, pacientes e familiares por meio do poder da escuta, além do conhecimento técnico e das evidências clínicas. “Vou dizer ao paciente o que é melhor para ele, baseado nas evidências, na literatura, claro que isso é importante. Mas será que eu não posso construir junto com o meu paciente, junto com o familiar, o melhor jeito de cuidar dele?”, questiona.

 

MORTE NA VIDA

 

Outro desafio, segundo Lucas Ramos, é a quebra do tabu da morte como oposto, na batalha com a vida. Ele analisa que o desconhecido gera muito medo, por isso, existe a tendência de não falar sobre, não pensar no assunto e tirar do “horizonte” para que a morte deixe de existir.

 

“É preciso trazer a morte para vida, pois ela é uma parte desta coisa maravilhosa chamada vida. Tem nascimento, desenvolvimento e a morte. Necessário falar sobre o tema e deixar o ‘Deus me livre’, pois é inevitável”, argumenta.

 

Ele ainda lembrou da expressão “perder o paciente” como se existisse uma relação de posse e controle da equipe de saúde sobre a vida. Assim, Lucas lembra que mecanismos de escuta, discussões de cada caso, de cada luto, com rituais de despedida dentro da própria equipe médica passaram a ser adotados, além do cuidado com os cuidadores não profissionais, principalmente familiares.

 

“O pós-luto faz parte do cuidado paliativo, por isso, formamos grupos de enlutados, temos serviços para as cartas de condolências e acompanhamento com psicóloga neste luto antecipatório. Quando está em cuidado paliativo, é fundamental trazer o tema para família e falar sobre as tarefas inacabadas”, comentou.

 

Além disso, ele ressalta que esse “tempo de despedida” pode ser visto como uma oportunidade na relação entre pacientes e familiares, quando pensamos que há casos de mortes repentinas e não já essa oportunidade da despedida. “Vocês estão tendo a chance  de viver esse  momento, que para muitas pessoas pode ser extremamente necessário”, pondera.

 

 

Sobre o Brain, Behavior and EmotionsO maior congresso de Neurociências do Brasil reúne especialistas de todas as regiões do Brasil para discutir atualizações nas áreas de Psicologia, Psiquiatria, Neurologia, Gerontologia, Geriatria e Neuropsiquiatria. A próxima edição será no Rio de Janeiro, entre os dias 26 e 29 de junho de 2024.